sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Eu

Tenho acordado todos os dias reparando que  a parede que fica na lateral da minha cama está precisando de uma tinta. É que com o passar dos anos o atrito com corpo corrói a pintura. E olha que é coral, é tinta boa. Na verdade não sei pintar. Sempre achei que soubesse, mas em algum momento de minha vida descobri que pintar uma parede não é simplesmente esfregar pra lá e pra cá um pincel embebido em uma substância viscosa, e foi aí que entendi que não era apto a pintar. Não é de hoje que me culpo por nunca ter feito um curso intensivão em coisas de macho. Afinal, quando pequeno já detestava os olhares de decepção que recaiam sobre mim na maioria das confraternizações que aconteciam em minha casa. Era só alguém me pedir pra arrastar alguma coisa pesada, ou para montar alguma outra coisa e pronto... era vergonha na certa.Tive que ir me adaptando a essa minha falta de aptidões, e acabei desenvolvendo uma série de mecanismos pra escapar desse tipo de situação. Comecei a fazer uma leitura mais completa do ambiente, reparava na movimentação dos meus pais, na posição dos objetos mais complexos, e com o tempo adquiri a capacidade de prever quando seria requisitado para uma tarefa que eu não daria conta, e assim passei a escapar dessas armadilhas.

  Táticas:

Eu não mantinha contato visual A primeira coisa que entendi é que em festas meus pais ficavam confusos com tanta gente ao redor, por isso, em caso de necessidade, delegar a um rosto familiar era muito mais simples do que executar.

  Eu não fazia barulho Bom, fica fácil saber o porquê. Eu simplesmente levava a sério a famosa frase: "o que não é visto não é lembrado. Fazia questão em não me destacar dos demais amiguinhos. A verdade é que ninguém gosta de criança barulhenta (eu também não gostava)

  Eu brincava atrás dos meus pais Sim, é possível se divertir calado e de cabeça baixa.

 Meus pais começaram a se incomodar com meu comportamento bizarro, e com minha dificuldade de interagir em ambientes cheios. Reparei que alguns livros começaram a surgir, jogados nas estantes lá de casa. Livros do tipo: "como funciona a mente do seu filho", "a saúde mental da criança" e etc. Ganhei alguns presentes engraçados deles: uns blocos pra construir e algumas armações metálicas que se entrelaçavam.

 O efeito colateral disso tudo é que tive que passar por alguns psicólogos, e fazer algumas terapias de grupo com outras crianças. Nessas terapias uma moça observava minhas ações e reações diante de outros esquisitinhos enquanto brincávamos com algum jogo de tabuleiro com fotos de bichos e peças marcadas.

 Na adolescência abandonei aquelas táticas e resolvi partir pra algo que exigia menos esforço. Se alguém me pedia ajuda com alguma coisa que de antemão eu sabia que me causaria problemas, eu fazia um movimento corporal meio desordenado, jogando os braços pra trás enquanto ao mesmo tempo balançava a cabeça para o lado (quase deitando-a em meu obro esquerdo), juntamente com um franzir de testa aliado ao proferir de algumas sílabas sem muito sentido. Hoje não tenho muitos problemas apesar de não ser um ser humano prático. Só acho que o pessoal da prefeitura tá demorando pra pintar aqui embaixo do viaduto esse ano.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Minha opinião sobre o artista Pablo do Arrocha

Sensacional! O comportamento humano é adaptável e nossos sentimentos são externalizados de acordo com alguns elementos que constituem a identidade de cada povo em todos os cantos do planeta. O meio em que vivemos, as tradições que nos são transmitidas ao longo da vida, interferências externas que por inúmeros motivos possam ter mudado radicalmente os costumes de todo um país... Tudo isso de fato é o que torna especial cada tribo, cada área geográfica habitada, todos os povos. Apesar disso, saber que somos únicos como indivíduos, e que por isso todo estímulo a que somos submetidos e suas posteriores reações e consequências só podem ser agrupadas de forma imperfeita e superficial, nos dá a dimensão da importância que cada um de nós possui.

 É natural, entretanto, que alguns sentimentos sejam universais e pouco transmutáveis, e são esses sentimentos os responsáveis pela ainda existente unidade planetária que, embora frágil, ainda nos mantém como seres que agem em conjunto pelo bem de nosso ambiente aqui na Terra. Tenho certeza de que a paixão e a dor que Pablo transmite nesta letra podem ser encontradas tanto na Bahia, onde foi criado o arrocha, quanto em um pequeno vilarejo de 8.553 pessoas no sudeste do Afeganistão.

 Quem nunca se sentiu perdido e desamparado com o término de uma relação? Quem nunca se sentiu sem chão diante da dura realidade que é continuar a vida sem a pessoa amada? Quem nunca teve como maior desejo apenas ter mais uma chance de encostar nariz com nariz com quem a gente gosta e fazer bilu bilu? Pois é isso que Pablo nos dá.

O arrocha é a condensação dos sentimentos mais universais expostos de um ponto de vista extremamente regional. A meu ver Fernando Fontanella é muito feliz quando afirma que "o imaginário do belo sempre é pensado pelas instituições da hegemonia dentro de uma legitimação dos grupos dominantes". Sendo assim, só resta a marginalização a esses gênios que lidam com a essência do mais profundo e abrangente, e que por não pertencerem a grupos específicos e nem terem sido submetido aos rigores e rituais de uma formação musical tradicional, se veem destinados a estigmas e considerados muitas vezes como artistas menos qualificados em relação a outros que se encaixam em perfis estabelecidos.

 Observe a letra de “vivo sonhando”, composição de Tom Jobim, reproduzida abaixo. Repare que apesar de tratar dos mesmos sentimentos observados em “bilú bilú” a aceitação de Tom Jobim é muito maior do que a de Pablo. E em nenhum momento, desde o surgimento e consagração do maestro, houve qualquer tipo de crítica que pudesse colocar em dúvida a autenticidade e qualidade da obra do mesmo.

  Vivo sonhando (Tom Jobim) "Outra vez Sem você Outra vez, sem amor Outra vez Vou sofrer Vou chorar Até você voltar Outra vez Vou vagar Por aí Pra esquecer Outra vez Vou falar Mal do mundo Até você voltar Todo mundo me pergunta Porque ando triste assim Ninguém sabe o que é que eu sinto Com você longe de mim Vejo o sol quando ele sai Vejo a chuva quando cai Tudo agora é só tristeza Traz saudade de você Outra vez Sem você Outra vez Sem amor Outra vez Vou falar mal do mundo Até você voltar Até você voltar

 "Bilú bilú Atenda Escute um pouco Me entenda Eu sei que o povo comenta A nossa separação Amor É fato Ando sofrendo calado Escute o meu desabafo Eu quero te falar Mas eu juro que eu queria aquele olhar de perdão No ar Como criança em seus braços Eu me sinto um rei de sangue azul Gosto quando encosta em meu nariz e faz Bilu Bilu Bilu Bilu Quando estou em seu abraço Eu me sinto um rei de sangue azul Cola agora sua boca em mim e faz Bilu Bilu Bilu Bilu Sem você não chego a lugar nenhum Meu Bilu Bilu Bilu Bilu Vou te levar a sério O nosso amor não é comum Meu Bilu Bilu Bilu Bilu Me dê mais uma chance Prometo não ser mais um Meu Bilu Bilu Bilu Bilu"

terça-feira, 29 de julho de 2014

Deitei – me com Barata

Todo o prazer daquele impulso de repente se foi, diluído em suor frio e no incômodo da dor. Deitei-me com barata, mesmo que ele nunca tivesse me demonstrado desejo. Seu semblante atordoado pela emoção da oportunidade, que certamente seria única, evidenciava a pressa que se sobrepunha a qualquer tipo de capricho. Eu esperava lá, deitada, arrependida, desgostosa comigo mesma, mas tinha que dar meu melhor pra Barata agora, levar em frente a decisão tomada.

 Foi quando o constrangimento se tornou insuportável que percebi que havia me tornado mulher. Não pelo ato, cuja prática já havia deixado de ser um passeio pelo desconhecido, mas pela consciência do quão valioso aquilo era, e da facilidade com que já havia me entregado algumas vezes a outros meninos. Eu sou agora um prêmio do Barata, e quando ficarmos velhos, certamente ele se regozijará ao lembrar-se de como sua juventude foi boa, e de como minha carne, assim como a carne de outras conquistas suas, era macia, e principalmente de como eu escorria de prazer nesse dia.

No momento em que Barata tirou minhas meias veio o click. Eu já estava totalmente despida, mas ele despiu minha alma ao puxar minhas meias pelas pontas, e expôs à vergonha os primeiros raios de consciências que emanavam de minha cabeça infantil. Tentei buscar conforto friccionando minhas solas na roupa de cama macia, e um frio na barriga despertou em mim o necessário para que Barata não tivesse dificuldades em me penetrar. Não fazia mais sentido lutar, ele já tinha o que queria, e agora de uma forma estranha eu também me sentia parte do Barata.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Quando Sinatra me tocou

O mundo ainda se limitava a formas de no máximo um metro. E naquela paisagem de luz, bolas de futebol e pedras portuguesas,,,

Em férias escolares, ainda que no resto do ano as coisas não fossem sentidas de forma tão diferente, a limitação de minha rua começava a incomodar. À espreita, entre uma atividade e outra, sempre estava meu pai, e a conversa das mães na rua, tão costumeira, naquele momento respeitava a pausa para a novela. Ainda que o sol da tarde fosse um castigo no consenso adulto, posso garantir que variações na temperatura ambiente não ocupavam em nenhum instante sequer o pensamento de qualquer um de nós (pequenos). O grupo tinha sua composição constantemente alterada, mas via de regra flutuava entre 4 e 8.

 Aquela "pressa pra tudo”, que não se explica, hoje se vê timidamente justificada no entendimento de que a qualquer momento se era fisgado pra dentro de casa, por um grito supostamente nervoso, ou por uma antecipação consciente (e temerosa) de ser exposto ao vexame do mesmo. O que mais pode ser dito? Era ele, aquele que até então eu não precisava conhecer, aquela presença elegante cruzando a confusão da minha rua. Os seus poucos passos após saltar do carro, ainda que não demandassem mais do que a atenção da minha visão periférica, certamente contribuíram para a mistura que hoje sou. Ao sentir sua mão tocar minha cabeça só tive tempo de responder com um sorriso de meia boca, e então ele sumiu,e só viria aparecer novamente em minha vida , 10 anos depois.

terça-feira, 27 de março de 2012

In A Sentimental Mood

In a sentimental mood “The king of all: Sir Duke”! É dessa forma que o genial e popularíssimo Stevie Wonder se refere à Duke Ellington na faixa “You can feel it all over”, clássico do soul norte americano, lançado no álbum “songs in the key of life”, de 1976. Não é atoa que Duke Ellington é citado na canção de Wonder como um dos pioneiros da música, ao lado de outros gigantes como Louis Armstrong, Ella Fitzegrald, Count Basie, Glen Miller e outros. Sei que muita gente já escreveu sobre a história de todos esses caras. Eles realmente se enquadram na categoria de artistas que estão acima de qualquer julgamento ou comparação. Eles desenvolveram, aprimoraram ou executaram a arte musical com uma excelência possível apenas quando da conjunção de inúmeros fatores. A verdade é que muitos críticos musicais constantemente se empolgam a tentam de alguma forma revirar o passado de grandes músicos como os citados acima, e a partir de suas histórias de vida e do contexto histórico procuram explicar quais foram os ingredientes necessários para o surgimento desses pontos fora da curva. Até certo ponto isso é válido, e certamente existe muita coisa que podemos assimilar do comportamento, dos hábitos, das experiências, enfim, da vida dessas pessoas. A questão é que, apesar da profunda admiração que esses entendidos de música possuem, suas análises esbarram naquilo que não é palpável. O grande diferencial desses gênios é exatamente ultrapassar a barreira do que consideramos crível e adentrar um mundo onde criações artísticas são tão supremas que rompem totalmente qualquer tipo de barreira geográfica, racial, religiosa, etc.. Nunca conheci nenhum crítico musical que se atrevesse a tentar explicar essas coisas, e por enquanto eu não tenho nenhuma ideia a esse respeito. De qualquer forma, considerando que somos indivíduos independentes, e que por isso não precisamos ter exatamente a mesa percepção sobre as coisas, pretendo expressar abaixo (quase) tudo o que sinto ao ouvir “In a sentimental mood”, esse grande clássico do jazz, composição de “Sir Duke” e letra de Manny Kurtz. *Já que citei o autor da letra, recomendo, para os que ainda não conhecem esta canção, a audição da versão cantada por Sarah Vaughn. In a sentimental mood (versão da Sarah Vaughn) In a sentimental mood I can see the stars come through my room While your loving attitude Is like a flame that lights the gloom On the wings of every kiss Drifts a melody so strange and sweet In this sentimental bliss You make my paradise complete Rose petals seem to fall It's all I could dream to call you mine My heart's a lighter thing Since you made this night a thing divine In a sentimental mood I'm within a world so heavenly For I never dreamt that you'd be loving sentimental me Da breve introdução destaco o fraseado bluesy de guitarra que com delicados hammer-ons no meio de cada frase, remetendo a suspiros apaixonados trazidos pelas amorosas recordações. Esses suspiros são repentinamente interrompidos por alguém que, não mais suportando tantas sensações reprimidas, procura externalizá-las através do canto, explicando se encontrar naquele instante imerso em uma atmosfera repleta de saudades e paixão. Sarah demora na a execução do primeiro verso, soprando a palavra “mood” de modo a reforçar sua condição emotiva. Vale a pena reparar na guitarra melódica que acompanha e completa o lamento da cantora durante toda a execução da música, contrapondo os versos cantados e preenchendo o espaço entre um verso e outro como se fosse realmente a respiração contemplativa anteriormente citada. O verso fundamental desta canção é: “you make my Paradise complete”. Com este verso entende-se que a intenção do autor era retratar não a atração, que, é efêmera, e sim o mais profundo e puro sentimento que existe entre duas pessoas. A partir daí, já tendo anunciado a intensidade e a dimensão do que sente, “Sarah” tenta descrever, através da projeção de imagens, como quando fala das pétalas de rosa caindo, de uma chama que ilumina a escuridão, as emoções que sente quando está na presença de seu grande amor

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

POLÍCIA E BOMBEIRO




Por trás de muros e grades confinam-se as consciências. Qualquer um que delas todas precisar,terá de esperar por um eventual choque entre pelo menos duas(óbvio),que devem colidir por um acaso que a probabilidade falha em tentar explicar,e que além de uma rara estatura necessária ao alcance "do além" das barreiras de concreto e ferro,devem possuir a química de seu funcionamento às avessas,ou seja,devem crescer enquanto as forças externas as conduzem à compactação.
O panorama tem sido este desde algum tempo.É o hábito de transferir nossos deveres,que nos mata.A coragem que ate´aqui nos trouxe,é cega,e se cansa diante do mecanismo ora massificante ,ora malicioso ,que faz com que nos achemos detentores de poder sobre uma grande máquina superpoderosa.Mas esta máquina,cercada de pomposidade,estrelas e hinos,jamais funcionará em sua plenitude sem que as grandes paredes que nos cercam sejam postas abaixo,e o gigante esplendoroso, adormecido, desperte, e possa sim,ser medido,pesquisado,e catalogado,mas acima de tudo,temido.